Coluna Internacional | Como foi um dos maiores encontros busólogos do Reino Unido

No dia 17 de agosto foi realizada mais uma Imberbus, um evento realizado no condado de Wiltshire, no sudoeste da Inglaterra, que consiste em um serviço intensivo com ônibus antigos (e alguns novos) passando pelo vilarejo perdido de Imber, que fica a cerca de 140 km de Londres.

Um vilarejo perdido? Sim, Imber é um vilarejo desabitado desde 1943, quando o Ministério da Defesa britânico transformou a região em uma grande área de treinamento militar. Uma enorme área ao redor do vilarejo segue com acesso restrito até os dias de hoje e é aberta ao público em pouquíssimos dias ao ano e com diversas orientações especiais: pedestres e veículos não podem sair dos trajetos designados devido aos riscos de encontrar explosivos e minas terrestres não detonados. O sábado do mês de agosto no qual se realiza a Imberbus é o único dia do ano em que o vilarejo de Imber tem acesso exclusivo para ônibus. Apesar do uso militar por muitas décadas, a igreja principal é mantida preservada em respeito à história do vilarejo e segue em excelente estado de conservação graças à ajuda de voluntários civis.

A Imberbus nasceu em 2009, quando Peter Hendy, então diretor geral da Transport for London e entusiasta de ônibus desde a adolescência, e alguns colegas do setor de transportes estavam em um pub no vilarejo de Bath, não muito distante de Imber, e começaram a discutir sobre qual seria o lugar mais improvável para ser atendido por uma linha de ônibus. Teria que ser um lugar de acesso normalmente restrito e aí veio a ideia de criar uma linha passando por Imber. Na primeira edição, em setembro do mesmo ano, quatro Routemaster antigos rodaram entre os vilarejos de Warminster e Imber, utilizando a licença nacional de operador da Bath Bus Company e, portanto, operando como um serviço comercial com cobrança de tarifa.

A denominação escolhida para a linha foi 23A, como se fosse uma distante variante da linha 23 de Londres. Isso porque a carreira de Peter Hendy no setor de transportes se iniciou em 1975 na então estatal London Transport. Em 1989, conseguiu alcançar a posição de diretor da CentreWest, uma das unidades de negócios resultantes do fatiamento das operações de ônibus, em preparação para a privatização. Uma das linhas mais importantes e tradicionais da CentreWest era a linha 23, que liga até os dias de hoje a garagem de Westbourne Park (atualmente da London Transit/RATP) à região central. Peter Hendy hoje é ministro das ferrovias e ostenta importantes honrarias reais, sendo denominado “Lord Hendy of Richmond Hill and Imber”.

Como Hendy era diretor geral da Transport for London, a Imberbus pode contar com sinalização dos pontos de parada providenciada nos padrões londrinos, executada pela mesma empresa contratada e usando as mesmas peças, cores e tipografia, com a única diferença de que as placas possuem uma base especial ao invés de serem fixas no solo.

Ao longo dos anos, a Imberbus teve o trajeto estendido, com a linha 23A passando atender os vilarejos de Market Lavington e Chitterne. Um mini-terminal foi montado em um pequeno campo existente dentro da área militar, onde é possível fazer baldeação entre variantes da 23A. Recebeu o nome de Gore Cross Interchange.

A frota circulante foi aumentando e se flexibilizando com o passar dos anos. O que antes era um evento apenas de clássicos Routemaster, passou a contar com alguns New Routemaster da frota operacional do sistema de Londres, além de carros novos de empresas da região sudoeste da Inglaterra. Também foi aumentando a participação de carros antigos de outros modelos.

Nos últimos anos, a Imberbus vem recebendo um público cada vez maior, tendo um crescimento vertiginoso na edição de 2023, quando os 28 carros foram insuficientes para deslocar a multidão que se formou do lado de fora da estação ferroviária de Warminster durante a manhã. Houve relatos de espera de mais de duas horas devido à enorme fila que se formou e que atravessava vários quarteirões. Mais de £35 mil foram arrecadados em tarifas, com toda a receita doada para a associação de preservação da igreja de Imber, a ONG Macmillan Cancer Support (que ajuda pessoas diagnosticadas com câncer) e a Royal British Legion (que ajuda veteranos de guerra em vulnerabilidade e outros projetos sociais). O evento definitivamente havia estourado a bolha da busologia e passava a atrair pessoas fora do hobby, incluindo casais em busca de um programa diferente, famílias com crianças, grupos de amigos que gostam de explorar lugares inusitados, entre outros.

Neste ano de 2024, mais de 40 carros foram providenciados, com a ajuda de proprietários de ônibus antigos e também com a ajuda de diversas empresas que enviaram carros vindos de diversas partes da Inglaterra.

No período da manhã, um novo esquema operacional foi testado com sucesso: parte da frota foi alocada para fazer apenas o trajeto entre Warminster e Imber, procurando dar vazão ao fluxo de visitantes. Para entusiastas de ônibus, alguns carros fizeram viagens expressas entre Warminster e Chitterne e saindo de um local separado, permitindo que busólogos pudessem se desvencilhar da grande fila, já que a maioria das pessoas fora do hobby comparece para visitar o vilarejo de Imber e acaba procurando descer para visitar a igreja como a primeira parada do dia.

Ao longo do dia, outra mudança percebida foi nos sub-serviços da linha. A frota foi redistribuída em serviços que passaram a focar mais nas ligações entre Imber, Gore Cross Interchange, New Zealand Farm Camp, Market Lavington, Tilshead e Chitterne, uma vez que boa parte dos visitantes prefere explorar os diferentes destinos da linha ao invés de voltar para Warminster. Chegando mais no final do evento, a frota foi mobilizada para o retorno à estação ferroviária de Warminster.

O novo esquema operacional deu muito certo e permitiu um impressionante escoamento do grande público presente. Em alguns momentos, o primeiro carro que vinha estava lotado, mas não demorava muito para vir outro com alguns assentos vazios.

Em Chitterne, os visitantes podem usufruir das instalações de um centro comunitário do vilarejo, onde moradores voluntariamente trabalham no dia para vender sanduíches e bolos. Também é uma das poucas paradas onde existe banheiro público.

De forma similar, em Tilshead também existe um centro comunitário onde moradores voluntariamente vendem sanduíches e bolos, além de oferecer um banheiro público. Porém, o vilarejo também oferece um pub, onde visitantes podem tomar uma cerveja.

Em Market Lavington existe um café e um museu que conta a história do vilarejo, que recebe o nome “market” em virtude de ter sido um tradicional centro onde agricultores e mercadores viajantes paravam para vender e trocar produtos.

New Zealand Farm Camp é um ponto final virtual para a 23A, sendo apenas um pequeno entroncamento de estradas rurais nos limites da área militar e sem nenhuma instalação de acesso público ao redor. Trata-se de uma parada bastante pitoresca e se deparar ali sem ter nada para fazer a não ser contemplar a paisagem e tirar fotos faz parte da experiência do evento. Vale lembrar que o sinal de celular é inexistente dentro da área militar.

Na Igreja do Santo Egídio (Saint Giles), em Imber, os visitantes podem apreciar a construção preservada por voluntários civis. Uma pequena exposição dentro do local conta a história da igreja e do antigo vilarejo ao redor. Alguns voluntários da associação de preservação estiveram presentes, inclusive vendendo chá, café e bolos. Em virtude da completa ausência de eletricidade e de redes de água e esgoto, há apenas banheiros químicos localizados perto da igreja.

Mais uma vez, a Transport UK London Bus compareceu com um veículo elétrico, dessa vez um Wright StreetDeck Electroliner com o envelopamento promovendo o London Transport Museum, o museu do transporte londrino. O carro foi visto rodando no período da manhã e provavelmente não rodou a tarde pois dessa vez não foi trazido o gerador diesel portátil da Zenobē, empresa especializada em viabilizar operações de ônibus elétricos. No ano anterior, com a presença do gerador, a Transport UK (então Abellio) levou um ADL Enviro400EV / BYD D8UR envelopado da campanha #LondonForEveryone, que promove o orgulho LGBTQIA+.

Além do elétrico, a Transport UK London Bus também levou neste ano o New Routemaster de prefixo LT1000, o último produzido pela fabricante Wrightbus para a frota pública da Transport for London, entregue em 2018.

Por falar no London Transport Museum, o time do museu esteve presente no evento com um trailer que foi estacionado próximo à igreja de Imber. Quem entrava ali podia sentar em assentos iguais aos do metrô londrino e participar de um quiz sobre a história do transporte em Londres.

Um detalhe interessante foi que o fato de Peter Hendy ser o ministro das ferrovias também ajudou na logística do acesso ao evento pelas ferrovias: a operadora GWR (Great Western Railway) operou trens mais longos no ramal entre Westbury e Salisbury, que passa por Warminster. Normalmente, a empresa escala unidades múltiplas de 2 ou 3 carros aos finais de semana, mas no dia do evento foi possível notar que os trens do ramal vinham em duas unidades múltiplas acopladas (formando composições de 4 ou 5 carros). Isso resolveu a superlotação que existiu em anos anteriores. A GWR também escalou funcionários para atuar despachando os trens nas plataformas de Warminster, de forma a evitar acidentes. No entanto, a operadora South Western Railway (SWR), que oferece trens entre Salisbury e Londres (alternativa aos serviços entre Westbury e Londres pela GWR), não fez qualquer alteração e alguns trens saíram com passageiros em pé.

Enfim, a Imberbus foi um grande sucesso e provou mais uma vez que um evento de ônibus pode estourar a bolha do hobby e atrair um público variado e numeroso. Com um esquema operacional muito bem planejado, o evento foi bastante prazeroso e cabe aqui parabenizar todos os envolvidos.

Fábio Tanniguchi

Mapa do evento, presente no livreto distribuído aos visitantes

Fábio Tanniguchi

Mapa orientando as baldeações no mini-terminal de Gore Cross

Fábio Tanniguchi

Um clássico Routemaster chegando ao mini-terminal de Gore Cross

Fábio Tanniguchi

Routemaster na variante “coach” (RMC), preservado pela Regional Transport do País de Gales

Fábio Tanniguchi

Routemaster na variante longa (RML) trazido pela empresa Go-Coach, do sudeste da Inglaterra

Fábio Tanniguchi

ECW / Bristol LH preservado pela empresa de fretamento vintage London Bus 4 Hire

Fábio Tanniguchi

ECW / Bristol VR preservado por um colaborador da empresa Stephensons of Essex, do leste da Inglaterra

Fábio Tanniguchi

ECW / Bristol FS preservado por entusiasta nas cores da Bristol Omnibus Company

Fábio Tanniguchi

East Lancs / Volvo Olympian da coleção do museu próprio da empresa Delaine Buses, do leste da Inglaterra

Fábio Tanniguchi

MCV eVoSeti / Volvo B5TL da morebus (grupo Go-Ahead), que opera no litoral sul da Inglaterra

Fábio Tanniguchi

Clássico Routemaster preservado pelo Dawson Group, especializado em locação de frota; tripulação na foto composta pelo casal de entusiastas Matt (motorista) e Oscar (cobrador)

Fábio Tanniguchi

Presença inesperada no dia foi este ADL Enviro200 MMC da empresa Beeline, de Warminster

Fábio Tanniguchi

Único New Routemaster curto produzido (10,6m de comprimento ao invés de 11,3m), o ST812 da Metroline esteve presente

Fábio Tanniguchi

A Metroline também enviou o LT558, primeiro New Routemaster da empresa a receber retrovisores por câmeras como parte do programa Vision Zero da Transport for London, que visa zerar o número de mortes e lesões graves decorrentes de acidentes de trânsito na capital

Fábio Tanniguchi

ADL Enviro400 / Scania N230UD da Stagecoach West, na pintura especial do orgulho LGBT

Fábio Tanniguchi

A Stagecoach South East enviou um Scania OmniCity DD ano 2009

Fábio Tanniguchi

ST812, o unico New Routemaster curto produzido, saindo do mini-terminal de Gore Cross

Fábio Tanniguchi

Visão frontal de dentro de um Routemaster passando dentro da área militar que abrange o vilarejo perdido de Imber

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