Custo da tarifa zero no Brasil é incerto devido ao “apagão de dados”

O governo federal terá um desafio significativo para estimar o impacto econômico de uma eventual implantação da tarifa zero em todo o transporte público urbano, a nova bandeira social discutida pelo Executivo.

Um relatório preliminar, elaborado por professores da Universidade de Brasília (UnB) e um pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), aponta que a falta de dados confiáveis sobre o custo real do transporte, a incerteza sobre o crescimento da demanda e a dificuldade em medir o retorno da política sobre o Produto Interno Bruto (PIB) tornam imprecisa qualquer estimativa.

O estudo foi encaminhado ao Ministério da Fazenda por um deputado federal, que levou a ideia ao presidente.

Falta de transparência e controle

Os autores do relatório técnico “O custo da Tarifa Zero” afirmam que falhas de transparência e ausência de dados públicos sobre custos e contratos tornam impossível estimar com precisão o impacto econômico de uma política nacional de transporte gratuito.

“É muito difícil precisar. Há um apagão de dados sobre o custo real”, resume um dos pesquisadores.

O estudo aponta que o setor carece de transparência e controle público. O custo operacional real dos sistemas é frequentemente confundido com o valor repassado às concessionárias. Além disso, informações estratégicas, como quilômetros rodados e frota ativa, permanecem majoritariamente nas mãos das empresas, sem auditorias independentes.

O Sistema Nacional de Informações em Mobilidade Urbana, que deveria centralizar esses dados, não é atualizado desde 2022, criando o que o relatório define como “a caixa-preta da mobilidade urbana brasileira”.

Um sistema em crise

O diagnóstico ocorre em uma conjuntura delicada para o transporte coletivo. Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), o número de viagens nas nove maiores capitais do país caiu de quase 400 milhões por mês em 2013 para cerca de 220 milhões em 2024, sem recuperação após a pandemia.

Com o sistema em crise, a tarifa zero ganhou impulso. O Brasil já lidera o ranking mundial de cidades com transporte gratuito, somando quase 140 municípios com tarifa zero universal (gratuita para todos, todos os dias). O número sobe para 170 se somadas as cidades que utilizam o modelo parcialmente.

Distorções do modelo atual

O relatório também denuncia distorções estruturais nos contratos de concessão. Em muitas cidades, a remuneração das empresas é baseada no número de passageiros transportados (Índice de Passageiros por Quilômetro – IPK), e não na qualidade do serviço.

Esse modelo estimula a superlotação e a oferta mínima de veículos, enquanto reajustes e lucros são garantidos por contrato. Os pesquisadores alertam que implantar a tarifa zero sem rever esses contratos significaria apenas aumentar o repasse às empresas, sem garantir melhora no serviço. Por isso, o estudo recomenda uma revisão profunda das concessões, com novos critérios de repasse e mecanismos de transparência pública.

Investimento, não despesa

Para os pesquisadores, a tarifa zero deve ser tratada como investimento social, e não como gasto fiscal. Eles defendem que não se deve questionar o custo da tarifa zero, mas sim o custo de não implementá-la.

O estudo aponta que, nas grandes cidades, as famílias gastam em média R$ 280 por mês com transporte coletivo (o equivalente a R$ 3.360 por ano). Com a gratuidade, esse dinheiro voltaria a circular no comércio e nos serviços locais, estimulando a economia e aumentando a arrecadação tributária. A elevação da arrecadação, inclusive, é apontada como um dos fatores que relativizam o custo do programa.

O relatório também cita os custos bilionários dos acidentes de trânsito, que somam R$ 21 bilhões por ano, e lembra que mortes e ferimentos no trânsito custaram R$ 136 bilhões anuais entre 2007 e 2018.

Alternativas de financiamento

O relatório lista alternativas para financiar o programa, incluindo:

  • Taxação dos super-ricos: Um estudo aponta que o Brasil arrecadaria R$ 260 bilhões por ano com uma tributação progressiva sobre grandes fortunas.
  • PEC 25/2023: Cria o Sistema Único de Mobilidade (SUM), com financiamento via Contribuição sobre o Uso do Sistema Viário (CONUSV).
  • Marco Legal do Transporte Público (PL 3278/21): Autoriza estados e municípios a criarem tributos específicos para custeio do transporte coletivo.
  • Taxa sobre vínculos empregatícios: Substituiria o vale-transporte tradicional, calculando uma contribuição mensal por funcionário em empresas com 10 ou mais empregados, o que seria suficiente para cobrir parte do custo da gratuidade.

Os pesquisadores defendem que, sendo o transporte um direito constitucional desde 2015, assim como a saúde e a educação, a adoção da medida em todo o país é inadiável.